terça-feira, 30 de novembro de 2010

TEMPO DE CONSTRUIR




O progresso deve acompanhar a modernidade, contudo sem desrespeitar o passado e as tradições. Tudo deve ser feito no sentido de se preservar as marcas históricas, pois são estas que funcionam como o documento de identidade de uma cultura, são os registros que comprovam nossa cidadania, onde ficam os sinais de nossas lutas, nossas conquistas e até mesmo de nossas experiências, tanto as positivas como as desastrosas e que redundaram em fracassos.

Em nossa cidade, infelizmente, por má-fé, por omissão e por ignorância, em alguns casos, em nome do progresso muita riqueza foi surrupiada, dilapidada, destruída, ou desperdiçada.

Muitos dos nossos monumentos foram demolidos para dar lugar a obras de mau gosto e a espaços vazios, como vazios certamente que eram os corações e as mentes de quem as patrocinou.

Citamos, por exemplo, a antiga igreja matriz de São Pedro, cuja absurda demolição ocorreu para que o seu madeiramento fosse empregado na construção de uma ponte; algum tempo depois foi a vez da Cadeia Pública, para dar lugar à Praça da Prefeitura; logo foi o Solar dos Reis ceder seu espaço ao Grupo Escolar Coronel José Bento; o mercado mourisco para no seu terreno se construir o horrendo prédio do fórum; o bonito teatro municipal para dar lugar à espelunca da Câmara e do CEC, e, finalmente, a bonita casa paroquial, deixada pelo Cônego Barreiros, para dar lugar ao Banco do Brasil e assim por diante.

Tínhamos no conjunto de nossas preciosidades urbanas e arquitetônicas uma ponte pênsil sobre o rio Fanado; um obelisco em homenagem aos pracinhas em frente da igreja do Rosário, marcos de latitudes e longitudes em vários pontos do município e um interessante galo de ferro sobre o imenso cruzeiro da Gruta; há um relógio na torre da igreja que há mais de 40 anos que não funciona; dos dois campinhos de pelada que existiam um deles foi ocupado pela Escola Normal e o outro invadido pela sementeira do IEF.

E os arquivos públicos, da câmara e do fórum?

E as peças históricas e valiosas do acervo da antiga Igreja Matriz de São Pedro Apóstolo, para onde foram?

Não negamos que as obras, algumas daquelas alegadas como benfeitorias modernas, fossem necessárias e, quanto a isto, nem se discute. Mas o fato é que não houve qualquer critério quanto à escolha do local das novas edificações, pois se constata a realidade de que, se cada uma delas tivesse sido erguida em outro lugar, preservando-se os antigos monumentos com suas finalidades e como bens de uso da população, a cidade poderia ter crescido de forma mais ordenada e, também, teria ficado muito mais bonita e aprazível.

Infelizmente o que foi feito está feito (ou seria melhor dizer o que foi “desfeito”) e o que nos resta hoje – infelizmente - seria chorarmos sobre o leite derramado, que nada vai resolver, podendo, porém, evitarmos que o poder público continue agindo daquela danosa forma e não permitindo mais que se repitam os erros e que possamos cuidar, com mais zelo, do pouco que ainda nos resta, seja dos bens públicos ou dos particulares.

Vamos ficar atentos e contra a ação dos iconoclastas, os "olavos", os "salomões", os "cupins roxos", os "garimpeiros do peito de Santa Luzia", os "morcegos sem asas" e tantos outros predadores, bem conhecidos, que ainda infestam o sobradão e nossas antigas igrejas.

Na foto, tirada no ano de 1945, vemos a construção do "Paço Municipal" e ao fundo, parte da belíssima capela de Nosso Senhor do Bonfim que foi demolida com o único objetivo de ampliar e beneficiar o terreno em que se localiza a casa de um ex-prefeito.

Continuemos atentos...





A FANTÁSTICA FÁBRICA DAS MARMELADAS

 -Uma visão sócio-ambiental de como e de que maneira puderam transformar a delícia de um doce tradicional num veneno, e a vida pacífica e produtiva de uma gente feliz no mais amargo flagelo que injustamente aflige e castiga um povo inocente, simples e bom-

Muito embora a vocação econômica do município seja a de mineração geral (ouro e pedras preciosas), essa atividade de há muito deixou de ser explorada devido à falta de investimentos no setor, sendo a agricultura atualmente a principal fonte de subsistência da população minasnovense.

Mesmo assim a produção agrícola vê-se tolhida e prejudicada pela falta de apoio administrativo, de incentivos de crédito, de assistência técnica adequada e de políticas públicas em real sintonia com a realidade e com as peculiaridades da região, bem como à administração carece de uma visão sistêmica para desenvolver programas estruturantes e eficazes com foco na questão fundiária e na necessidade de implantação de ações compensatórias para minimizar o impacto gerado pelo fiasco chamado de "reflorestamento".

O aprofundamento da questão fundiária no município já não pode mais ser evitado e o tema não pode ser tratado com displicência como vem ocorrendo, pois o pequeno produtor está cada vez mais ficando confinado nas beiras das chapadas, sitiado no deserto verde formado pelos eucaliptos e ali relegado injustamente ao abandono, à carência de todo recurso e à falta de qualquer perspectiva de retomada das suas atividades dentro dos padrões culturais que foram agredidos a partir da chegada dos tratores e das correntes de arrasto pesadas que, em comboio agrediram sua cidadania, tiraram-lhe a dignidade e a cultura de seu povo, desestabilizando e massacrando com seu núcleo familiar.

Os grandes maciços das chapadas e dos cerrados foram ocupados indiscriminadamente pelas plantações de eucaliptos, para produção de carvão vegetal que é um dos componentes do aço produzido pela empresa multinacional ACESITA, conglomerado econômico que prefere a sua classificação como atividade rural e a denominação genérica de reflorestamento com a qual não se pode concordar de vez que a mesma se configura como atividade-meio no processo de se chegar à atividade-fim que é a siderurgia. E na obtenção do produto final que é a riqueza industrial configura-se o carvão vegetal tão importante e necessário como o minério de ferro, e daí a necessidade de também se reverem os critérios para que essa nossa região possa receber seus direitos participativos como os “royalties” em pé de igualdade com as cidades localizadas no Vale do Aço que são as únicas beneficiadas.

O que tem ocorrido a partir do inicio das atividades da empresa na região, foi um desflorestamento a favor de uma expansão industrial com a eliminação radical de uma grande floresta nativa e de toda sua biodiversidade que, somente a título de esclarecimento trata-se do conjunto vital onde o homem compõe a natureza como um elemento do reino animal em constante sintonia com o vegetal e o mineral, este universo que tinha todas as particularidades e características de uma floresta de transição da Mata Atlântica para o Cerrado, quando foi introduzida em seu lugar uma monocultura de grande ciclo produtivo, sabidamente agressiva ao solo e aos mananciais e que carece de pouca participação da mão-de-obra humana, limitando sobremaneira a possibilidade de geração de emprego e de renda, pelo menos da forma econômica e socialmente justa conforme o que foi prometido e empenhado como a contrapartida, jamais observada e respeitada, que seria o benefício da população local.

Antes, nesses imensos maciços e espigões era praticada uma pecuária rudimentar, mas já sedimentada e eficientemente adaptada ao meio e que consistia na criação de animais em regime de "larga" em que não havia a necessidade de maiores preocupações com o manejo da terra, pois esta era um bem comum ao qual não se agregavam benfeitorias fixas, ao tempo que também não havia qualquer tipo de agressão que pudesse colocar em risco seus valores naturais no conjunto dos interesses grupais.

Dessa forma de atividade agropecuária em que a terra não tinha valor como capital, pois representava apenas um ingrediente natural do trabalho, pois existia em abundância e disponibilidade assim como a água, o ar e a vegetação estes que são os elementos igualmente dados de graça pela natureza ao sertanejo aqui mais conhecido como campeiro, roceiro, catingueiro ou groteiro a quem preocupavam apenas as tarefas de apascentar seus animais que viviam soltos, pacificamente em comum com os rebanhos pertencentes às diversas famílias enquanto todos iam desenvolvendo paralelamente outras atividades artesanais, sociais e comunitárias que lhes rendiam e lhes permitiam uma vida digna, dentro de padrões específicos, bem definidos, os quais foram, de repente, arrebatados e violentamente impedidos de usufruir pela incúria e pela ganância do invasor escudado e tutelado oficialmente pelo poder econômico e governamental.

Eram essas terras quase que em sua totalidade pertencentes aos sucessores hereditários de antigas propriedades onde no passado não muito distante existiam extensas plantações de cana e de algodão além da exploração de minérios através de concessões que davam direito de posse aos permissionários nas respectivas áreas de abrangência dessa atividade.

Ora, daí se depreende que essas mesmas glebas eram propriedades de alguém e que, no mínimo, constituíam-se como direito de herdeiros que por força da lei teriam que ser chamados para integrarem-se à lide numa eventual ação de desapropriação judicial ou de anexação desses bens ao patrimônio público.

O que ocorreu, porém, ao arrepio da lei e em flagrante desrespeito ao direito de terceiros foi a equivocada classificação por parte da RURALMINAS e da composição mancomunada dos políticos locais com as autoridades judiciais, que via do esbulho, da invasão e da grilagem incentivada, passaram a sustentar a falsa condição de serem essas mesmas glebas áreas rurais, de terras devolutas, as  quais se permitiram que fossem arrecadadas como tal, para serem, ato contínuo, transferidas e entregues, de mãos-beijadas, para a ACESITA, através de um polêmico e estapafúrdio contrato de comodato cujo prazo de validade se renova e vai-se arrastando indefinidamente.

Com a ocupação dessas terras, através de processos fraudulentos de toda ordem, o espaço imenso dos campos de criar foi ocupado pela vegetação agressiva e exótica do eucalipto e os desamparados camponeses viram-se, do dia para a noite, privados daquela atividade milenar, quase que mecânica - rotineira e imperceptível - que representava a sua eterna fonte de subsistência: O amanho da terra e o pastoreio de criação de animais.

Cada ruralista de toda essa região (e no universo da população representava mais de 70%) por mais pobre e sem recursos que fosse, ele tinha sempre em volta de sua casinha um bom quintal com pomar, horta, galinheiro, chiqueiro, plantações periódicas de roças como as de milho, feijão, arroz de sequeiro, mandioca, algodão herbáceo, mamona, urucum e amendoim.

Com o patrocínio de políticos renomados da região, inclusive com o beneplácito e o empenho de um senador e ministro filho da cidade de Minas Novas, implantou-se no Vale do Jequitinhonha, mais precisamente nos municípios de Minas Novas, Turmalina, Veredinha, Leme do Prado, Chapada do Norte e José Gonçalves de Minas, a “Reforma Agrária” ao contrário, ou seja, acabou-se com os minifúndios que beneficiavam dezenas de milhares de trabalhadores para implantar-se o latifúndio, o maior talvez em todo o território nacional.

Até a chegada do eucalipto a maior parte das famílias rurais contava com uma estrutura edificada com o sacrifício de várias gerações, de recursos não materiais, mas culturais, e de alguma organização primária através da qual mantinham expedientes próprios para o desenvolvimento produtivo de bens e para manter a fundação de lavouras perenes de café, de cana-de-açúcar, de banana, de laranja, de abacaxi e de marmelo, o que lhes permitiam uma indústria artesanal constante e regular de rapadura, açucar-mascavo, merendê, compotas e doces secos, além da marmelada, da geléia, do chouriço, do sabão, do queijo, da manteiga e do requeijão que abarrotavam as feiras de nossos mercados regionais.

Nas grotas, nas vazantes e nas terras mais baixas plantavam-se alho, cebola, repolho e outras espécies de cultivares como o algodão arbóreo com o qual se permitia o trabalho da tecelagem através da arte e da existência de vários teares que abasteciam a região com a baeta, com o tecido-cru e com as vistosas cobertas de pavios coloridos que encantavam os enxovais, além do cultivo do fumo em rama, na região do Setúbal, que movimentava intensamente o comércio do tabaco.

Todos esses agricultores, nos campos de criar, nos chapadões, nas veredas e nas caatingas tinham soltos seus animais de serviço, os bovinos de engorda e suas vacas pé-duro que lhes garantiam a tração, o transporte, o fornecimento de carne e de leite durante todo o ano.

Também havia a disponibilidade do mel silvestre e a possibilidade da caça e da pesca segundo o costume herdado dos antepassados índios e caboclos de uma época não muito distante, pois no próprio meio rural onde viviam ainda existiam vários remanescentes de tribos e de quilombolas.

A vida natural, os costumes milenares e suas sadias tradições permitiam uma simbiose completa do homem com a terra.

A cada estação do ano, eram comuns as safras espontâneas e fartas de maracujá, de murtas, de mangabas, de araçás, de cajuís, de gabirobas, de muricis, de ananás, de jatobás, de micuibas, de buritis, de macaúbas, de catolés e tantas outras espécies de frutas silvestres nativas, cocos oleosos, raízes, tubérculos, resinas, folhas comestíveis, ervas naturais, plantas medicinais e da maior utilidade e serventia no uso caseiro como as contas, as bagas, as cabaças, os caniços e as plumas, além do Pequizeiro, aquela que era a árvore sagrada do sertanejo. 

A precipitação pluviométrica era harmonizada e as águas eram abundantes e límpidas, sem a atual agressão do agrotóxico.

Os barreiros forneciam de graça o adobe, os tijolos e as telhas para a construção das casas.

Os capões de mato e as capoeiras eram livres para o fornecimento de varas para os galinheiros e chiqueiros, da lenha para o fogão da cozinha, o forno do terreiro, a fornalha do engenho e para o aquecimento da noite; das madeiras necessárias na construção de moradias; das tábuas para o fabrico de móveis, ferramentas e até mesmo do caixão para o defunto.

Hoje a vida do roceiro (ou seria a morte?) é movida pelo gás dos botijões, pelo leite da caixinha longa-vida, pela água da COPASA, pela luz da CEMIG, pelos 35% dos impostos sobre o feijão e a farinha, do aluguel escorchante, da passagem no transporte ruim e de todas as adversidades que existem dentro de um contexto injusto que lhe acenou, enganosamente, com a possibilidade de um salário-mínimo e tantas outras ilusões e fantasias que transformaram os groteiros em bóias-frias, os lavradores de suas próprias terras em trabalhadores rurais (TR), dos vaqueiros em mendigos, dos ruralistas em sem-terras, das mulheres e das crianças em escravos de carvoeiras, das inocentes mocinhas da roça em prostitutas e dos rapazes caipiras em pivetes, trombadinhas, aviões de boca de fumo, flanelinhas, camelôs e outras infelizes espécies que se multiplicam nos guetos e favelas.

O “reflorestamento” tirou o leite das crianças pobres, a carne do almoço domingueiro, o aboio alegre do vaqueiro, o calor da noite do roceiro, o fogo da cozinha cabocla, acabou com a doçura das frutas silvestres, espantou os animais, mandou para as favelas o futuro da cidade pequena e matou no coração a vida daquele cuja existência estava umbilicalmente ligada à natureza.

Onde jamais houve fome, mesmo com a insistente falácia criada pela propaganda do governo que se implantou na mídia com o nome de “Vale da Miséria”, na região de Minas Novas este flagelo social só passou a ser conhecido a partir da chegada da Acesita.

A doçura da marmelada se transformou numa mistura amarga e  venenosa que se espalhou por entre o fedorento eucalipto.

Antes a marmelada de Minas Novas era apenas a referência de uma compota caseira que ali se produzia em larga escala, muito apreciada em toda parte e que foi, com a deterioração dos costumes, modificada em sua fórmula com a introdução de outros ingredientes, além do açúcar mascavo e do marmelo, tais como a batata-doce, o chuchu, a fécula e até a abóbora que desvirtuaram e comprometeram aquela famosa iguaria tirando-lhe a pureza e o encantamento.

Depois foi a associação desses ardis às falcatruas que se praticavam nas repartições públicas, tanto na prefeitura como nos cartórios do fórum de Minas Novas, onde certidões, atestados, escrituras e todo tipo de documento, eram falsificados, adulterados ou fraudados para beneficiar algum protegido dos líderes políticos locais.

Hoje o gosto delicioso da marmelada é apenas uma saudade, pois não existem mais as encantadoras plantações do marmeleiro e até mesmo os canaviais se restringem à produção pequena e artesanal apenas de cachaça.

O fedor do eucalipto é o que predomina por entre a fuligem das chaminés e da sujeira das carvoarias – onde se pratica o trabalho escravo de mulheres e crianças, e por onde se esvaem a honra e a vida do antigo sertanejo.
           
E esse veneno cada vez mais mortal potencializa-se com a indiferença, a parceria e, em alguns casos, com a permissividade e a conivência das autoridades que deveriam defender os interesses coletivos, mas que preferem colocar-se do lado do capital especulativo e predatório.
           
O pequeno produtor rural tem que ser respeitado e ainda há o tempo de se reparar, pelo menos em parte, o imenso crime ambiental e até mesmo antropológico cometido contra esse povo humilde e simples.
           
É preciso enquadrar legalmente a Acesita (sucedida pela multinacional ACELLOR MITAL) e obrigá-la a prestar às suas vítimas a assistência de que elas têm todo o mais legítimo direito.
           
E hoje já não se pode mais tapar o sol com a peneira.

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